quarta-feira, 31 de março de 2010

OS TRANSTORNOS DE LEITURA E ESCRITA: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL.

  * Taís Franco de Souza
Compreender os Transtornos de Leitura e Escrita constitui-se tarefa não tão simples, dada a diversidade de conceitos e definições existentes na literatura disponível. A falta de consenso a respeito da nomenclatura mais adequada, de uma definição que dê conta de contemplar todos os aspectos relacionados o complexo processo de leitura e escrita e seus distúrbios, torna a tarefa de realizar um diagnóstico preciso uma atividade laboriosa, sobretudo para os que se iniciam nesse caminho. Segundo Capellini e Ciasca (2000) citadas por Capellini e Salgado (2003), essa falta de consenso está relacionada à questão de se diferenciar crianças que apresentam dificuldades escolares por conta de distúrbios de linguagem (processo de desenvolvimento e aprendizagem da linguagem prejudicado desde os primeiros anos de vida e que refletem na aprendizagem do indivíduo como um todo) e as crianças que apresentam dificuldades na escola em decorrência do sistema de escrita ortográfico da Língua Portuguesa.
Aqui iremos fornecer informações para que a Avaliação da Leitura e da Escrita, feita pelo fonoaudiólogo torne-se menos complexa do que muitas vezes parece ser. Para tanto, tentaremos estabelecer o diagnóstico diferencial entre “Distúrbio de Aprendizagem”, “Distúrbio de Leitura e Escrita” e “Dislexia” partindo de alguns conceitos e definições, chamando a atenção para as manifestações mais importantes de cada um dos transtornos e os aspectos que diferenciam um dos outros e que podem facilitar na hora de decidir a Hipótese Diagnóstica e conduzir de maneira adequada o processo terapêutico.
Falar em Transtorno de Leitura e Escrita, implica estabelecer o que se considera como transtorno.  Tomaremos como base uma desorganização ou um desarranjo que ocorre no período em que a criança adquire o código escrito ( Distúrbio = algo inesperado, que foge aos padrões de normalidade).
Os transtornos de Leitura e Escrita podem ter causas relacionadas ao meio, ou, seja, causas culturais (falta de estimulação adequada ou a não compreensão por parte do indivíduo das funções do código escrito). Podem estar relacionados à complexidade da língua escrita (ou inadequação da criança ao método pedagógico utilizado) ou ainda ter suas causas relacionadas ao próprio indivíduo e às dificuldades por ele apresentada. Nos deteremos a abordar a última possibilidade, levando em consideração que para adquirir o código escrito de maneira adequada a criança depende de um bom Desenvolvimento Cognitivo, de uma boa Linguagem Oral (o que envolve Articulação, Narrativa Oral e Habilidades de Processamento Auditivo Central) para então chegar à Linguagem Escrita em si (passando pelas fases da Psicogênese da Língua Escrita, aquisição da ortografia, utilização dos marcadores de pontuação, produção da narrativa escrita e leitura).

Distúrbios de aprendizagem

Segundo Capellini e Oliveira (2003) os distúrbios de aprendizagem referem-se a um problema específico e, necessariamente, estão associados à presença de uma disfunção neurológica. As mesmas autoras afirmam ainda que, nesses casos, normalmente encontramos alterações fonológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas, que se evidenciam tanto na linguagem oral como na linguagem escrita.

Capellini e Salgado (2003) destacam ainda que os distúrbios de aprendizagem podem apresentar como fator desencadeante a combinação entre fatores genéticos, neurológicos e ambientais. As autoras, ao citarem Johnson & Myklebust, ressaltam que as crianças que apresentam Distúrbios de Aprendizagem apresentam vocabulário limitado, restrição quanto ao significado da palavra, dificuldades com os sentidos múltiplos das palavras, uso excessivo de termos não específicos para nomear ações e objetos (coisa, negócio), dificuldade de simbolização, conceituação predominantemente concreta e conhecimento esquemático empobrecido. Lembram ainda que existem um grupo de crianças que manifestam problemas escolares provocados por Distúrbios de aprendizagem decorrentes de disfunções neuropsicológicas que prejudicam significativamente o processamento da informação recebida pela criança, o que resulta em dificuldades de percepção, processamento, organização e execução da linguagem, tanto oral quanto escrita. É importante ainda observar que os Distúrbios de Aprendizagem podem ser justificados por por atraso ou distúrbios no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, caracterizando dificuldades tanto na recepção quanto emissão da linguagem oral e que se estendem mais tarde à linguagem escrita.

A partir do exposto, podemos considerar os Distúrbios de Aprendizagem como alterações decorrentes da dificuldade geral em aprender a ler e escrever, em conseqüência de déficits cognitivos, caracterizados por uma “aprendizagem lenta”.

Distúrbios de Leitura e Escrita

Santos e Navas (2002) definem Distúrbio de Leitura e Escrita como uma manifestação referente ao desenvolvimento da linguagem, que se caracteriza pela dificuldade na aquisição e/ou no desenvolvimento da linguagem escrita por crianças que apresentam déficits tanto de decodificação fonológica como de compreensão da linguagem oral e/ou escrita.

De acordo com as autoras, as manifestações dos Distúrbios de Leitura e Escrita podem aparecer já nos anos pré-escolares, visto que são decorrentes de dificuldades em lidar com a linguagem oral, como: vocabulário pobre, uso inadequado da gramática e problemas no processamento fonológico. E as alterações no processamento fonológico manifestam-se nas competências lingüísticas, como: dificuldade de consciência fonológica, memória fonológica, discriminação, nomeação e até mesmo na articulação de palavras.

Dessa forma, crianças que manifestam dificuldades escolares decorrentes de Distúrbios de Leitura e Escrita apresentam alterações de articulação, narrativa oral e/ou processamento auditivo, e refletem essas dificuldades ao se apropriarem do código escrito, na forma de disortografias, dificuldades em acentuar, pontuar, narrativa escrita inadequada (aquém do esperado par a idade e/ou escolaridade) e leitura silabada, com compreensão prejudicada, ainda que apresentem boa compreensão do processo de escrever em si e das funções da língua escrita.

Dislexias
As dislexias, na literatura nacional e internacional, são comumente consideradas como alterações inesperadas da Leitura e Escrita e podem também ser denominadas de Distúrbio específico de leitura. Optamos aqui por usar as duas nomenclaturas.

De acordo com Capellini e Salgado (2003),diversos têm defendido que as crianças com Distúrbio específico de leitura apresentam dificuldades no momento do uso da rota sublexical para a leitura, ou seja, no uso da conversão grafema-fonema em atividades que exigem habilidades fonológicas, como por exemplo a leitura de palavras desconhecidas ou inventadas.Bryant & Bradley, citados por Capellini e Salgado (2003) afirmam que as crianças consideradas disléxicas são aquelas que apresentam dificuldades específicas na leitura e na escrita, contudo, são inteligentes, ágeis, rápidas, alertas e, muitas vezes apresentam Q.I acima do esperado (os chamados “gênios incompreendidos”).

A Associação Brasileira de Dislexia, coligada à IDA (The International Dyslexia Asociation) define Dislexia como:

“...Um distúrbio específico da linguagem de origem constitucional caracterizado por dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades não são esperadas em relação á idade. Apesar da instrução convencional, adequada inteligência, oportunidade sociocultural e sem distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a criança falha no processo da aquisição da linguagem escrita...”

Muitas são as classificações das Dislexias. Ciasca (2003) as subdivide em:

Dislexias Disfonéticas ou Fonológicas:

São aquelas de base predominantemente auditiva. Geralmente associa-se a disfunção no lobo temporal, área de processamento das informações auditivas. Como manifestação encontramos principalmente a dificuldade na conversão fonema-grafema.

Dislexias Diseidéticas

São as dislexias de base predominantemente visual. Normalmente estão associadas À disfunção no lobo occipital. Nesse caso, o comprometimento maior está no processamento visual.

Dislexias Mistas

São aquelas nas quais encontramos os dois tipos de dificuldade coexistindo.
As Dislexias são classificadas também quanto ao grau, o que depende da forma como se manifesta:

Leve
Pode passar despercebida. A criança sempre sente muita dificuldade em escrever, mas é capaz de produzir narrativa escrita (A criança que “se vira”)

Moderada
Atrapalha bastante o rendimento escolar e a vida da criança. Pode melhorar significativamente com o processo de reabilitação.

Severa
Chega a ser incapacitante. A criança não consegue se apropriar do código escrito. Nesse caso é necessário acompanhamento multidisciplinar e, as vezes, é preciso recorrer a métodos alternativos de aprendizagem e avaliação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Capellini S.A. & Oliveira K.T.Problemas de Aprendizagem relacionados à alterações de linguagem. In: Ciasca S.M. Distúrbios de Aprendizagem: Proposta de Avaliação Interdisciplinar.São Paulo: Casa do Psicólogo,2003;


Capellini S.A. & Salgado C.A . Avaliação Fonoaudiológica do Distúrbio Específico de Leitura e Distúrbio de Aprendizagem: Critérios diagnósticos, Diagnóstico Diferencial e manifestações clínicas. In: Ciasca S.M. Distúrbios de Aprendizagem: Proposta de Avaliação Interdisciplinar.São Paulo: Casa do Psicólogo,2003;


Ciasca S.M. Distúrbios de Aprendizagem: Proposta de Avaliação Interdisciplinar.São Paulo: Casa do Psicólogo,2003;
Navas A.L.G.P., Santos, M.T.M. Distúrbios de Leitura e escrita: Teoria e Prática. Barueri – SP: Manole,2002;


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Fonoaudiologia

Fonoaudiologia
Área da saúde que atua na promoção, prevenção, diagnóstico, orientação e tratamento da comunicação oral e escrita, voz, audição e funções de mastigação, deglutição e respiração, atendendo desde o recém-nascido até a terceira idade.